Hoje eu trago uma reflexão sobre o exercício da liderança.
Houve um tempo em que, para ser reconhecido como um bom profissional, o líder era aquele que resolvia tudo o que aparecia, principalmente as emergências, muito rapidamente. Que tinha o “controle” total do seu time, área ou setor e com sua “batuta” e rédeas curtas, orquestrava magicamente todas as soluções. A long time ago, não é mesmo?
E se eu dissesse a você que ainda hoje temos situações análogas a essa? Pois é, tem sim e não são poucas. E os profissionais que desempenham papel de liderança precisam ficar atentos para não caírem na armadilha de se tornarem um desses personagens, que em geral querem abraçar o mundo mostrando o quanto são “competentes”. São cheios de iniciativas que não concluem, o que os leva a fazerem coisas e a agirem muitas vezes de forma agressiva por causa da pressão.
Qual é o papel do líder?
Para evoluirmos um pouco mais o tema, vou pegar emprestado dos modelos ágeis de trabalho um conceito muito interessante que chamamos de WIP (work in progress) onde vejo um paralelo interessante quando falamos de liderança. Todos nós sabemos que modelos ágeis não têm o papel do líder, pelo menos não quando falamos de alguém que chefia tudo, justamente porque a ideia é que o time faça sua autogestão, evitando gargalos, achando solução em conjunto e com isso trabalhando de forma mais eficiente. Times de alta performance.
Mas, por que então estou misturando as duas coisas? Porque toda organização tem e precisa de líderes ou gestores, mas daqueles que contribuem e ajudam o time, não daqueles citados no início deste texto. E acredito que isso está diretamente ligado ao controle de WIP (work in progress), onde limitamos a quantidade de trabalho em progresso e, com isso, o esforço do time e de toda estrutura é direcionado para acabar o que já iniciou antes de trazer algo novo para a esteira. O líder ou gestor passa a fazer parte de uma cadeia de ajuda, onde seu trabalho será mais focado na retirada dos impedimentos que surgirem para que o time entregue cada vez mais e melhor.
O como fazer tecnicamente, o próprio time pode e deve resolver, isso faz parte de suas responsabilidades. Mas, quando realizamos um projeto mais estratégico ou maior é comum que envolva outras áreas, múltiplos fornecedores e/ou parceiros e haja uma infinidade de situações que precisam de um apoio da liderança para serem sanadas: uma definição que ainda não veio, um software que ainda não foi adquirido, custos, uma aprovação que ainda não saiu, férias, casos de doenças, casamentos, entre outros.
Tudo isso (mas não só isso) são exemplos onde o líder pode e deve atuar. Isso sem falar das situações pessoais de cada membro do time, afinal de contas, estamos falando de seres humanos e não de máquinas. Em outras palavras, vai tirar as pedras para que o time ou squad de trabalho possa entregar suas atividades.
Mas aqui há um limite para que o trabalho não seja transferido para você. O que quero dizer com isso é que uma vez atuando como um líder que tira as pedras do caminho não é raro algum membro do time confundir isso com a transferência de responsabilidade do que está sendo feito para uma só pessoa (mas isso é assunto para um outro dia). Só fique de olho nisso, pois as responsabilidades de cada um precisam e devem ser definidas e, portanto, cobradas também.
O que deve fazer parte do dia a dia do líder?
Então para resumir basta estar ali disponível para o time e serei um bom líder? Não é só isso! O papel do líder envolve outros aspectos que gostaria de listar aqui. Eles devem ser fazer parte do seu dia a dia:
- Tomar decisões: sabe o exemplo que foi citado no início onde problemas críticos e emergências podem surgir? Pois é, o gestor deve ajudar a resolvê-las sim, trabalhando em conjunto com o time/squad que, por sua vez, deve ser estimulado a ter um olhar mais atento, buscando não só tratar o problema em si, mas identificar a causa raiz, garantindo que eventuais falhas futuras não voltem a acontecer. Parece óbvio, mas no calor da situação não é fácil atuar dessa forma. Por isso o gestor precisa contribuir, criando um ambiente de trabalho blindado onde esse tipo de atuação seja possível.
- Reconhecer limites pessoais: cada indivíduo tem sua forma de pensar, agir e também sua forma de trabalhar. O bom gestor entende isso e consegue identificar as limitações de cada um, respeitando-as e estimulando aquilo que cada um tem de melhor.
- Sabe ouvir e estimula a evolução: conheça melhor os membros do seu time/estrutura e você terá a visão de suas preocupações, fraquezas, fortalezas e objetivos (ou também a falta deles). Desta forma, você tem a possibilidade única de ajudar verdadeiramente aquela pessoa em sua evolução profissional. Estimule-as a pensar sobre isso, a traçar planos, caso ainda não os tenha. Estimule a constante busca pelo conhecimento independentemente da área de atuação. Seja um mentor para seus liderados, compartilhando seu conhecimento e sua experiência, mas sempre focando no pensamento positivo, em como romper obstáculos, nunca reclamando ou dando maior ênfase a problemas. Devemos direcionar nossa energia para aquilo que precisa ser construído. Essas ações certamente vão gerar um resultado positivo, tornando-as pessoas e profissionais cada vez melhores.
- Dar feedback: é claro que nem tudo são flores num ambiente de trabalho. Sempre haverá períodos mais tranquilos e também períodos de tempestade. Assim também acontece com as pessoas. Elas têm períodos de alta e de baixa, e dar essa visão sobre o que foi bom e o que precisa melhorar é uma ferramenta muito poderosa para ajudar os liderados a entenderem onde estão e o que precisam fazer para continuar evoluindo. Essa ação deve ser feita de forma periódica e reservada, sempre com muito respeito e parceria, estimulando cada um conforme as necessidades da empresa, mas também conforme os objetivos de carreira do profissional.
- Reconhecimento: geralmente os líderes estão mais atentos ao que está errado ou pode ser melhorado, mas se esquecem de reconhecer quando o trabalho está sendo bem feito. Dar esse feedback positivo para as pessoas é extremamente importante. Isso mostra que o rumo do trabalho está na direção certa, mas também é um incrível estimulante pessoal e profissional para o indivíduo. É importante que essas ações de reconhecimento aconteçam em público, pois irão fatalmente causar um contágio do bem em toda a estrutura. Além disso, também é interessante que haja premiações, o que despertará ainda mais o interesse dos demais profissionais por esse reconhecimento e trará ainda mais satisfação e sentimento de pertencimento por parte de quem recebeu aquele prêmio.
- Sabe pedir ajuda: o líder não precisa ser um herói. Na verdade, ele não deve ser um. Entender suas limitações e não ter vergonha de pedir ajuda quando necessário é fator crucial para o sucesso num cargo de liderança. É utopia pensar que você sabe tudo e que vai conseguir resolver sozinho tudo que aparecer. Vivemos num mundo com um alto grau de complexidade. É perfeitamente natural que não dominemos todos os temas. Tem muita coisa acontecendo simultaneamente e a todo momento surgem novas, então aqui é importante ter calma. Respirar fundo. Olhar para o cenário e ver que “aqui eu sei como fazer, mas ali tenho dúvidas”, e com isso pedir ajuda sim. Diferente do que muitos pensam, pedir ajuda não é sinal de fraqueza. Mostra humildade e sabedoria.
- Liderar pelo exemplo: demonstrar liderança por meio das ações e não somente por palavras, isto é: colocar a mão na massa. É participar ativamente dos trabalhos, confiar na sua equipe deixando que faça seu trabalho, evitando o microgerenciamento, sendo comunicativo e demonstrando o propósito das iniciativas.
Esses são alguns pontos a serem observados e praticados no dia a dia, mas o assunto é mais amplo e mais profundo, exigindo dedicação, paciência e estudo contínuo para aprimorar conhecimento e ganhar a “quilometragem” necessária para conseguir praticar todos eles de forma adequada e correta.
A estrada é tortuosa e cheia de obstáculos, mas ao longo do caminho tem muito aprendizado, muita evolução e muita satisfação também, pois você fará parte de algo maior, um time! E com isso vai entregar muito mais do que faria sozinho. Essa é a mágica.
Fique com Deus e desejo muito sucesso em suas iniciativas.
Heitor Ribeiro Villar, Business Strategy Director na BRQ