Imagine fazer um empréstimo ou ter acesso a serviços financeiros com total privacidade em poucos segundos? Isso é possível com o protocolo DeFi (Decentralized Finance), ou, em português, Finanças Descentralizadas.
Antes de entender o que de fato são as Finanças Descentralizadas, vamos dar um passo para trás e compreender um panorama geral sobre o mercado financeiro.
O mercado financeiro tradicional
Mercado financeiro: não é novidade que este é o ambiente onde fazemos a negociação de ativos, como moedas, ações, títulos e outros. A Bolsa de Valores de Nova York, por exemplo, é um dos maiores representantes dos mercados financeiros do mundo. E, como sabemos, no Brasil, esse papel é desempenhado pela B3 (a bolsa de valores brasileira) e seu principal indicador é o Ibovespa.
O mercado financeiro é responsável pelo movimento da economia – ele aproxima investidores (pessoas físicas ou jurídicas) de tomadores de recursos (como fundos). Essa ponte é realizada por meio de uma instituição financeira, como um banco ou uma corretora de valores, e regulada pelo Banco Central e pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
Esse sistema vem funcionando e se aperfeiçoando há muitos anos, tendo uma longa história de evolução. Apesar de consolidado, a centralização gerada por esse modelo tem sido posta em cheque por meio dos novos modelos de consumo gerados pelo advento da internet e da Web 3.0.
É nesse contexto que surge o conceito de DeFi, ou Finanças Descentralizadas.
O que é DeFi?
DeFi é o conjunto de serviços e produtos financeiros que rodam em uma Blockchain (um banco de dados descentralizado, sem regulação central).
Os serviços são negociados de maneira peer-to-peer, ou seja, uma pessoa pode tomar um empréstimo diretamente com outra pessoa, on-line, com contratos automatizados. Lá, irão constar a forma de transferência, valores, juros e garantias. Não há taxas de custódia ou de intermediação da operação.
É uma forma menos burocrática de negociar valores. Além de empréstimos, há maneiras de fazer investimentos, trocas de criptomoedas e outros serviços.
A principal forma de negociação das aplicações DeFi é a rede do Etherium, mas é possível negociar também utilizando a Binance Smart Chain (BSC), a Solana (SOL) e a Avalanche (AVAX).
Como funcionam as Finanças Descentralizadas?
A DeFi utiliza a premissa básica do Bitcoin e de outras criptomoedas. Ou seja, um ambiente aberto, livre de custos, de burocracia, acessível a qualquer pessoa com conexão à internet.
As finanças descentralizadas funcionam por meio de contratos inteligentes (smart contracts), que são pré-programados e gerados automaticamente durante a negociação. Todas as operações ficam registradas nas redes de Blockchains, o que permite a rastreabilidade das operações.
Suas funcionalidades para o usuário são:
- Fazer hipotecas, seguros e outros tipos de garantia financeira;
- Emprestar e pegar empréstimos em criptoativos;
- Realizar investimentos para obter renda passiva;
- Executar a troca de criptoativos sem ter que pagar taxas e impostos sobre investimentos de forma convencional;
- Usar as chamadas stablecoins, ou seja, moedas pareadas em dólar, sem intermediário.
Dessa forma, um investidor que possui apenas 1.000 tokens (ou menos) pode emprestar seu dinheiro e ter rendimentos provenientes desse empréstimo.
Tipos de DeFi
É comum os usuários se envolverem com DeFi utilizando os DApps (aplicativos descentralizados), que operam na Blockchain Ethereum. As principais operações são:
- Concessão de empréstimos: é possível emprestar criptomoedas adquiridas e receber juros por minuto (e não mensalmente);
- Tomada de empréstimos: obter empréstimos de maneira rápida e sem burocracia. Há ainda uma modalidade exclusiva chamada de empréstimos-relâmpago, de curto prazo;
- Negociação: é possível negociar com outros usuários para compra e venda de ações;
- Poupança: é possível aplicar suas moedas digitais em “contas-poupança”;
- Compra de derivativos: faça apostas de curto e longo prazo em ativos, com contratos futuros e opções para a compra de ações.
Glossário DeFi
Exchanges descentralizadas (DEX): são corretoras onde os usuários negociam criptomoedas peer-to-peer sem intermediários. Tudo é controlado por smart contracts. São diferentes das exchanges centralizadas, que têm uma empresa no controle. Nas DEX não há empresas gestoras e, como consequência, o pagamento de taxas a elas. Exemplos de Exchanges Descentralizadas são a UniSwap (UNI) e a PancakeSwap (CAKE).
Plataformas de empréstimos: funcionam de forma semelhante às plataformas de empréstimo convencionais, só que negociando criptomoedas e de maneira peer-to-peer e com smart contracts. Exemplos desse tipo de plataforma são a Compound e a MakerDAO.
Stablecoins: são moedas digitais equiparadas a algum tipo de moeda convencional, como dólar, euro, real, entre outras. Esse tipo de transação é ideal para quem quer fugir da volatilidade dos criptoativos, pois elas são mais estáveis. Isso significa que cada stablecoin, como o USDT (Tether) e o USDC (USD Coin) equivale a um dólar, nem mais, nem menos.
Protocolos DeFi:
- MakerDAO (MKR): é uma plataforma descentralizada de empréstimos onde os usuários podem depositar suas moedas digitais como garantia (Ethereum, Chainlink e outras) para gerar e pegar emprestado a stablecoin DAI (pareada com o dólar) e o token MKR. Há taxas, porém, menores do que as bancárias.
- Curve Finance (CRV): tem o CRV como token nativo. É outra exchange descentralizada para quem quer negociar stablecoins. Não há intermediários, tudo é feito por smart contracts e algoritmos.
- Convex Finance (CVX): tem o CVX como token nativo. Permite aos usuários ganharem rendimentos adicionais.
- InstaDApp (INST): essa é uma plataforma que reúne diversos protocolos DeFi. Nela é possível consultar posições e realizar operações, como empréstimo e ganho de juros, além de migrar dívidas e outras aplicações descentralizadas.
- Aave (AAVE): também é uma plataforma de empréstimos. Assim como o anterior, os usuários podem emprestar – e ganhar com os juros cobrados – ou pegar criptomoedas emprestadas. O token nativo é o AAVE.
- UniSwap (UNI): alimentada por seu token UNI, não tem intermediários. É para negociação no mercado de criptomoedas. Tudo é gerido por contratos inteligentes.
- Compound (COMP): é um protocolo de empréstimos cujo ativo é o COMP. As taxas são ajustadas automaticamente, conforme oferta e procura.
Quais são as vantagens e as desvantagens do DeFi?
As DeFi ainda causam bastante controvérsia no mercado financeiro. Mas independentemente de concordar ou não com a maneira de funcionamento delas, o fato é que elas crescem dia após dia.
Segundo o DeFi Pulse, site que publica métricas sobre o mercado de finanças descentralizadas, o TVL (Valor Total Bloqueado, métrica que corresponde ao total de fundos que usuários depositaram em plataformas que oferecem serviços), em protocolos DeFi em 2022 era de U$ 93 bilhões – e este número só cresce. Vamos ver, a seguir, as vantagens e desvantagens desses sistemas:
Vantagens
- Acesso global: permite que qualquer pessoa com acesso à Internet participe de transações financeiras, independentemente do local onde se encontre. Essa inclusão financeira pode levar a uma maior estabilidade econômica e progresso em regiões menos desenvolvidas.
- Abertura simples: basta criar uma carteira para estar on-line, sem abertura de contas.
- Privacidade: por não exigir o fornecimento de dados pessoais, como endereço, CPF ou mesmo o nome verdadeiro dos usuários, as DeFi oferecem níveis mais elevados de privacidade e anonimato nas transações financeiras. Isso é especialmente importante em países onde as liberdades civis são limitadas e pode ajudar a proteger indivíduos que enfrentam riscos.
- Ganhos rápidos: as taxas de juros são atualizadas rapidamente (a cada 15 segundos) e costumam ser maiores do que as ofertadas em bolsa de valores tradicionais.
- Flexibilidade: é possível mover seus ativos a qualquer momento.
Desvantagens
- Regulação insuficiente: as DeFi enfrentam desafios regulatórios significativos, já que muitas jurisdições ao redor do mundo ainda não têm leis estabelecidas. Sem um Banco Central para fiscalizar, as regras podem mudar a qualquer momento, prejudicando o usuário, que fica sem ter para onde recorrer.
- Tributação complicada: você precisa manter seus próprios registros para fins de tributação, cujas regras variam de lugar para lugar.
- Volatilidade: a alta volatilidade desse sistema é mais uma desvantagem, o que pode torná-lo arriscado para investidores menos experientes. Sem contar que, com a flutuação constante das taxas na Blockchain, as transações podem sair caras se você não souber ao certo quando é o momento de movimentar seus criptoativos.
- Segurança: embora o sistema tenha forte segurança devido à natureza descentralizada, a vulnerabilidade ainda existe. A perda de Bitcoins para hackers é um exemplo que mostra como ainda é preciso aperfeiçoar suas questões de segurança.
- Identidade desconhecida dos operadores: apesar de ser possível rastrear as operações, não é possível conhecer a identidade dos usuários por trás delas. Isso pode ocasionar a entrada de dinheiro proveniente de ações ilegais nas operações.
- Requer muita organização: a simples perda ou roubo de suas chaves pode ocasionar a perda de seus ativos.
O futuro da DeFi: riscos e avanços
Por muito tempo, os criptoativos eram vistos como um mundo à parte, atrelados a atividades ilícitas. No entanto, com a crescente demanda das negociações, desde 2021 as instituições financeiras passaram a oferecer produtos com exposição em criptomoedas, como fundos de investimentos e ETFs. O Banco Central também começou a discutir maneiras de conversar com esse mercado.
Quando falamos em DeFi, também já está havendo uma aproximação desses sistemas com as instituições financeiras tradicionais. Não se sabe ao certo, o que vai acontecer, mas já existem decretos do Governo Federal que visam a regulação das criptomoedas em vista.
Por que é importante estar atento a esses novos serviços financeiros?
DeFi é um sistema com potencial de trazer muitas vantagens para investidores e pessoas jurídicas que desejam agregar esse tipo de tecnologia a seus produtos – o mercado está em pleno crescimento para bancos e instituições financeiras que se abrirem para essa tendência.
Não se sabe exatamente qual será o futuro desse tipo de serviço financeiro, mas também não podemos fechar os olhos para o progresso e a evolução – até mesmo os governos estão começando a estudar a ideia, com iniciativas como o Real Digital.
Como qualquer tecnologia, o DeFi dependerá do nível de maturidade dos players e produtos associados, assim como da adoção dos consumidores a seu uso. Com sua presença cada vez maior e mais forte, é preciso monitorar, estudar e entender como utilizar essas tecnologias para gerar valor nos negócios.