TL.DR: um fã do Senna pensando em como a trajetória dele no uso de tecnologias digitais pode inspirar e esclarecer CEOs nas suas próprias jornadas de transformação digital. Absolutamente empírico e romantizado, naive ao extremo, escrito em 1 hora de insônia.
No princípio, talento bruto…
Como um Sennista roxo, daqueles que chora ao ver os documentários, muito me intrigou um papo com um amigo chinês sobre a evolução do nosso campeão, “no uso intensivo da tecnologia como lapidadora de resultados consistentes” (palavras dele, que prefere anonimato). Daí, pensando em transformação digital voltada para ampliação dos resultados organizacionais e como nova estrutura de perenização de negócios, me peguei analisando o que lembro dessa história.
Primeiro ponto: no que você é excepcional?
Sem chover no molhado (sic), todos sabemos das histórias do Senna na chuva. Mas, poucos lembram (ou num mundo raso como o atual), lembram de sua atenção EXTREMA aos mínimos detalhes, ao treino estafante, à busca incessante da perfeição. Numa matéria deste ano, uma das piadinhas lá do começo da carreira dele (uma das coisas que me chamou a atenção, na verdade) está bem descrita nessa passagem:
“At the 1984 running of the US Grand Prix, Senna spun, then clawed his way back up the field, but then hit a wall and broke his car’s driveshaft. He was heard to complain that the wall had moved.
Well, surely such a thing is impossible? But when a racing engineer went out to look, it turned out that one of the concrete blocks bordering the track had pivoted slightly as a result of another driver making contact. It was just a few millimeters, but that’s the degree to which Senna was driving on the edge.”
E este talento era lapidado conhecendo os equipamentos, desafios (as pistas), as batalhas (as provas) e com o pensamento de longo prazo (campeonatos), dia após dia.
Até aqui, nada diferente de um CEO, Founder ou líder de uma empresa. E dai?
Corpo, mente e alma apontados para um propósito único
Daí que faltava um pedaço, negligenciado até um ponto: Saúde física. Long story short, Nuno Cobra fez história transformando o magrelinho num atleta completo.
Finalmente, descobriu uma espiritualidade profunda, o que ele logo em seguida achou.
“Não sinto mais constrangimento em falar sobre Deus. E, se tenho essa fortuna, meu dever é passar a mensagem de Deus a outras pessoas. Desde os quatro anos de idade, estou exposto ao risco. Sofri muitos acidentes, capotei e nunca quebrei uma costela ou perna. Isso é uma bênção de Deus”.
Porque tudo isso? leia até o final.
Evolução: todo CEO tem um wing man?
Pequena pausa digressiva: até aqui, que diabos essa saudade toda da história do ídolo tem a ver com Transformação Digital? E os youngsters devem estar sem entender nada (pra situar, Senna começou a despontar em 1984, pra um público bem restrito de car crazies como eu. Mas, aos 14 anos, no Brasil, foi a primeira vez que sentimos orgulho GLOBAL de sermos brasileiros. E isso perdura até hoje, 25 anos depois de sua morte.
Finalmente, chegamos à fase das grandes alavancas. Através de um amigo, companheiro e ultra talentoso engenheiro (Osamu Goto sama), Ayrton finalmente encontrou um ponto de apoio para alavancar todo o desenvolvimento de sua estrutura competitiva.
Resumindo a história, a Honda entrou no mercado de motores, em outras equipes, mas Ayrton passou a contar com um nível de perfeccionismo e detalhes que ele nunca antes teve. E mais ainda, vindo de várias fontes (a Honda trabalhava a Williams, a Lotus e pilotos incríveis, como Nelson Piquet, Alain Prost e Nigel Mansell, todos contribuindo para o sucesso).
Potência com controle e sintonia fina
Além da tecnologia bruta, a telemetria (primeira tecnologia “digital” da época) passou a ser um enorme aliado. Com ela, com o suporte de todo o time de design e mais um movimento open source descrito aqui, nosso ídolo passou a ter muito mais efetividade, resultando numa das combinações mais vitoriosas do período.
Então, a tecnologia bruta mudou tudo
Ao final dos anos 80, a potência bruta passou a imperar e a personalidade “bruta” fez muita diferença. Mais uma vez, de acordo com Mr Goto:
“Se vc desse o mesmo motor ao Ayrton Senna e ao Alain Prost, o Senna conseguiria tirar tudo o que fosse possível daquele motor e o Alain Prost conseguiria fazer com que aquele motor desse o máximo de sua capacidade”.
E o que era essa tecnologia?
Motores muito, mas muito mais potentes.
E muito MELHOR geridos.
E muito mais INTEGRADOS no projeto completo do carro.
E essa foi a primeira parte da transformação, o equivalente no nosso mundo da DIGITALIZAÇÃO OPERACIONAL, que trato em meu modelo de evolução organizacional rumo a uma organização realmente digital.
Mas, isso é a parte bonita da história. História perfeita ? Não… Far from it.
Nemesis como a alavanca máxima
Ninguém se sobressai sem parâmetros de comparação. E a foto acima resume os anos 80, os maiores titãs das pistas, juntos num momento raro. Romantismo? Não. Prova de que a enquanto um estão em performance máxima, esta advém do trabalho árduo de todos.
Para os fãs mais roxos, dói ouvir isso, mas em uma antiga entrevista, o próprio Osamu Goto disse, a despeito do imenso desenvolvimento da Honda:
AS: Há pouco o senhor falou que o Ayrton Senna pouco contribuiu com o trabalho de desenvolvimento. Era uma opção da Honda? Da McLaren? Do piloto?
OG: O Ayrton Senna era um piloto espetacular, dono de uma habilidade impressionante e sabia como tirar o máximo daquilo que podíamos oferecer a ele. O Alain Prost era também excelente e podia sempre nos dar algo a mais do que oferecíamos a ele. Percebe a diferença? Se vc desse o mesmo motor ao Ayrton Senna e ao Alain Prost, o Senna conseguiria tirar tudo o q fosse possível daquele motor e o Alain Prost conseguiria fazer com que aquele motor desse o máximo de sua capacidade.
AS: A Honda sentiu muito quando o Prost deixou a McLaren?
OG: houve uma perda na velocidade de desenvolvimento. Mesmo com a evolução da telemetria, a informação do piloto ainda tinha uma enorme importância.
AS: As informações passadas pelo Ayrton Senna não eram suficientes?
OG: Eu diria que eram muito peculiares ao estilo dele… mas ele, nos tempos em que o Alain Prost estava na equipe, ele (Senna) valia-se muito das evoluções conseguidas pelo companheiro em benefício de seu estilo de pilotagem.
Entre outras coisas, o resumo dito na entrevista é que todo o resultado amealhado por Senna tem uma semeadura e um imenso trabalho em outras equipes, outros pilotos e em todo o aparato da Fórmula 1.
Ou seja, o trabalho da 1.0 era em grupo e muitas vezes, feito por outros players e fora da organização. Todas as vezes que você ouvir falar de “OPEN INNOVATION”, é essa a dura lição. Piquet e Mansell, numa parte; Prost, em outra. Estes montaram a plataforma para Senna, que, como brilhante piloto, tirava o máximo desta estrutura para seus próprios resultados.
Transformação Digital 1.0 — Automation
Para imensa tristeza de todos, em 1993, um ciclo se fechou: a automação total da época (nomeada como FW 15 C) jogou todos num torvelinho onde os mais tecnológicos evoluíram em outra categoria.
Como resultado, “By 1993, Formula One had become very much a high-tech arena and the FW15C was at the very forefront, featuring active suspension, anti-lock brakes, traction control, telemetry, fly-by-wire controls, pneumatic valve springs, power steering, semi-automatic transmission, a fully automatic transmission and also continuously variable transmission, although the latter was only used in testing. As a result, Alain Prost described the car as ‘a little Airbus‘.”
E todo o sucesso se esvaiu. O jogo mudou completamente para a plataforma.
Pilotos, engenheiros, design, tudo junto. Mas, a AUTOMAÇÃO venceu este team work. O carro da Williams simplesmente era AUTOMÁTICO. Ao máximo que se poderia fazer na época. Isso, nesse cockpit espartano.
Sem paciência, nosso herói se mudou no ano seguinte para a própria Williams.
Regulators Crash Course
A imagem é trágica, mas revela o fim de uma outra era. Em 1994, após uma mudança drástica de regulamento, os carros mudaram e perderam toda a sua automação. Senna havia se mudado para a Williams, e pela primeira vez na sua carreira, pilotaria um equipamento sem garantias e estaria sem time.
Em resumo, mudanças arbitrárias nas regras impediram uma rápida adaptação e a versão oficial é que uma falha técnica levou nosso campeão deste plano, mas uma mudança drástica nas regras do jogo, barrando a evolução tecnológica, em minha humilde opinião, é a verdadeira causa…
E o que isso tem a vez com um varejista?
Jump ahead para 2016… Quando um cometa começou a passar (quase desapercebido) pelos céus da bolsa brasileira. A história da estória também é conhecida, mas começou com…
Uma Luizinha e um talento bruto: gente.
É preciso ter uma dose alta de inaptidão social ou ser completamente insensível para conhecer Luíza Heleno Trajano e não se apaixonar imediatamente pela empresária, com sua simpatia, modo otimista e seu pragmatismo orientado ao crescimento de todos ao seu redor. Tal qual nosso ídolo da chuva, isso se mostrou ser o maior ativo dessa empresa.
Um “Luizinho” e um talento bruto: Gente Digital
Em 2016, um ano crítico, muitas coisas foram repactuadas e ganharam impulso. Frederico, aos 39 anos, herdou da mãe o jeito com pessoas, mas pessoas diferentes: The techies.
Ao assumir em 2017, o cenário não era dos mais promissores: “O novo CEO do Magazine Luiza assume em um momento delicado da economia e da empresa. As vendas da segunda maior rede varejista do Brasil estão em queda. Nos nove primeiros meses deste ano, elas foram de R$ 6,4 bilhões, uma redução de 8,6% em comparação com o mesmo período do ano passado.“
Mas ele já vinha embalado em outro panorama: “A receita de Fred para enfrentar essa crise será redobrar as apostas no mundo digital. Uma de suas frases preferidas é que ele vai “transformar o Magazine Luiza em uma empresa digital, com pontos físicos.”Desde que entrou no Magazine Luiza, em 2000, Fred atuou nessa área. Naquele ano, ele foi responsável por montar a estrutura de comércio eletrônico da rede varejista. Atualmente, as vendas online já representam 22% da receita total do Magazine Luiza.Até o fim deste ano, os vendedores de 180 lojas físicas vão receber smartphones para demonstrar os produtos de forma mais ágil. Em 2016, todas as 780 lojas em 16 Estados trabalharão dessa forma. Como diretor-executivo de operações, ele criou o MagazineVocê, plataforma social de venda direta pelo Facebook, e o LuizaLabs, laboratório de inovação que hoje emprega 75 desenvolvedores.“
Paralelos com o Senna, Fred era a nova equipe de engenharia da Honda, trazendo não apenas os motores, como a telemetria.
Mas mais que isso, foi um acréscimo. Não substituição. Nenhuma tecnologia mudou absolutamente nada a cultura da empresa.
Fatala, o dMaster.
Em 2011, no meio do primeiro ciclo de transformações digitais, foi criado o LuizaLabs, que já chegou mostrando a que veio.
Nerd de carteirinha, mas business man de alma, Andre Fatala saiu do Lab e rapidamente assumiu toda a área de tecnologia da empresa. E esta é a segunda grande lição: A transformação tem de ser gerada FORA 100% do dia a dia, mas 100% orientada aos resultados objetivos da companhia, para que possa ser absorvida por mérito próprio e não por modismos.
Uma vez demonstrado o valor gerado e agregado aos produtos e serviços, não tem mimimi, é aceitar, abraçar e turbinar!
So far, so wonderful.
Se formos analisar, uma empresa como a Magazine Luiza proporciona ao seu executivo chefe algo assim:
E é óbvio que com tanto controle, em tantos detalhes, os resultados pulem ao extremo. Mas o demonstrativo vem com lições importantes, como vemos no gráfico.
1 — A mudança é longa: treinado por 4 longos anos, Fred só assumiu em 2017. O Luiza Labs, fundado em 2011, mostrou a que veio apenas em 2016 (ajudando a virar o jogo de crise), decolou em 2017 e daí em diante, virou o jogo.
2 — Ninguém sabe ao certo o rumo a seguir, mas os objetivos são claros: gerar valor para os clientes e capturar o resultados como líder de mercado. A filosofia é manter o objetivo e aprender junto com o máximo de players possíveis (concorrentes, inclusive) como chegar nesse objetivo o mais rápido e o mais eficazmente possível.
3 — Não existem negócios indiferenciáveis, setores commodities ou missões impossíveis. Os consumidores mudam todo o tempo, assim como as regras do mercado. A digitalização e a automação já foram. Jornadas intensas e rápidas de criação de valor através de produtos e serviços são “o novo jogo”. Quem estiver fora…
Mas a mais valiosa lição talvez seja a mais cruel para nosso ídolo Senna: time faz um campeão, não o inverso. Ele não trocou uma companhia por outra, trocou um time sólido por outro time em formação. A história conta que uma boa parte do time da McLaren foi para a Ferrari, transformando Michael Schumacher em outra lenda.
E isso vem sendo demonstrado dia a dia, na performance dessa organização que virou querida dos brasileiros: o time vem sendo acrescentado, melhorado, ampliado (mesmo vindo “de fora”, como no caso do Labs), mas sempre, incorporado ao que já existe de melhor, a cultura que vem construindo vitórias ano a ano.
O que esperar da transformação digital no futuro?
Eu espero que possamos seguir este exemplo e combinar a competitividade extrema dos negócios com a humanidade e a camaradagem que nos torna brasileiramente humanos.
Fechando o ano de 25 anos da morte de Senna, só me resta chorar mais um pouco lembrando que:
“Ayrton Senna was also the last driver to die in an F1 race, as safety standards improved considerably after his death. The day before he died, a young Austrian driver named Roland Ratzenberger was killed at the same spot. When the crew came to remove the wreckage of Senna’s car, they found a tightly furled Austrian flag in the cockpit. Senna had planned to win, then wave that flag in tribute to his fallen comrade. The first part makes him a great racing driver. The second part is what makes him one of the greatest of all time.”
Que os “da Silva” mostrem o caminho da revolução desta nova era, neste espírito.
Courtnay Guimarães Jr – Cientista Chefe na BRQ